quinta-feira, 14 de abril de 2011

A imensurável beleza do ser (ou o niilismo do estar)

Ele morde as costas de sua mão. Enquanto intercala mordidas que lhe deixam a pele vermelha traça algumas linhas no papel em branco.
O sol acaba de se esconder sobre as nuvens e a sombra ao pé da árvore faz o vento tornar-se mais fresco, quase gelado. Isso não o incomoda, aliás até o agrada. O que não lhe agrada é perceber que esta sendo observado nesta situação, por um olhar estranho atrás de uma janela. Bem, na verdade pouco importa. Olhares estranhos passam pelas calçadas, pelas janelas, pelos corredores. Mas o importante é estar ali, sentado na grama, os pés descalços, os tênis jogados ao lado, o papel numa mão, a caneta na outra e o gesto constante de morder a própria mão.
Os transeuntes pouco lhe importam (desde que não o observem como o olhar na janela) quando ele está em estado tão vagal. Um estado da mais completada nulidade. Um niilismo absoluto. E é niilismo sim. Quando o contexto não importa, a situação não se localiza. Quando a mente não tem um foco, o vazio é absoluto. Intencional, talvez, mas totalmente gratuito.
Alguém poderia objetar que a situação o fazia refém daquela cena: sentado no chão, descansando encostado na árvore, escrevendo um texto qualquer e mordendo a própria mão. Entretanto, esta observação está totalmente errada, exceto talvez, pelo movimento repetitivo de morder-se a si mesmo. Talvez apenas este ato poderia dar uma garantia de um caráter de subjetividade àquele ente. Somente este gesto o poderia identificar como ser, um ser que se morde a si mesmo. Mas, a contragosto dos empiristas, neste momento nem esta ação o atribui status de ser. Neste momento, ele é absolutamente o Nada. Neste momento ele alcança o Nada total. Enquanto ele simplesmente escreve sem escrever, olha sem olhar, e pensa sem pensar, ele apenas existe. Existe de dentro do vazio de sua consciência. Um ékstasis total. De dentro de si mesmo ele apenas expõe o vazio interior. Ele apenas faz surgir o Nada. Ele é completamente Nada. Naquele momento ele era pura arte. E não é assim mesmo a obra de arte? O que seria a obra de arte senão este completo ente vazio e gratuito? Se a arte não pode se prestar a qualquer coisa, por quê então ela não pode ser esta nulidade? Este nihil?
A verdadeira obra de arte não pode mais ser techné. A verdadeira obra de arte não pode ser elemento cultural, relegado a padrões de local ou população. A verdadeira obra de arte não pode ser produção do gênio ou dom de deus. A verdadeira obra de arte não é reprodução, não é cópia imperfeita de cópia imperfeita. A obra de arte é não sendo. Ela não é objeto de decoração, ela não combina com o seu sofá. Ela nem é mero objeto de observação. A verdadeira obra de arte é fenômeno de ser vazio. Ela não tem identidade, ela não tem conceito, ela não tem essência. A arte é, simplesmente é, não sendo. Sendo vazia e gratuita. E por isso mesmo totalmente livre. Se não o fosse, não seria.
E neste momento ele é justamente isto. Um vazio. Um Nada. Uma completa liberdade, existencial e gratuita...

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