sábado, 15 de janeiro de 2011

O buraco do espelho está fechado - Reflexo, reflexão, loucura e hipocrisia

"É preciso fingir... quem é que não finge neste mundo? Quem?!?"

Esses dias assisti o filme Bicho de Sete Cabeças (2000), direção de Laís Bodanzky. Na verdade fazia certo tempo que queria fazê-lo mas só agora tive oportunidade. Eu sempre gostei de filmes que lidavam com a loucura ou pacientes loucos, e gosto particularmente de notar como na maioria das vezes é o próprio tratamento (médico ou de convívio) que tornam o personagem realmente insano. E é justamente este processo que é abordado no filme, pois o personagem Neto (Rodrigo Santoro) vai realmente 'pirando'' devido aos maus tratos no manicômio. Mas não é sobre o filme que pretendo falar, mas sobre uma passagem específica, a saber: aquela em que Neto conversa com um personagem que se denomina Jornalista (?) que o diz:
"É preciso fingir... quem é que não que não finge neste mundo? Quem?... É preciso fingir que é louco, sendo louco. É preciso fingir que é poeta, sendo poeta..."
Depois disto, Neto lê, rabiscado na parede, com o 'título' de O buraco do espelho está fechado, que torna-se numa música, composta por Arnaldo Antunes. Aliás as músicas do filme estão a cargo dele mesmo. O 'poema' diz o seguinte:



o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora

É interessante a comparação, ou metaforização de temas ligados à loucura com elementos ligador a portas, espelhos. São metáforas que passam a noção de passagem para outro lado, para o lado escuro da lua, talvez. Bem, independente disto, estes realtos (filmes, músicas, poemas) mostram que a questão da loucura deve ser vista de maneira diferente, não como simples doença, mas mas um outro 'lado' das coisas, um outro lado do ser humano. O louco deve ser tratado mais como ser humano que é, afinal de coisas, se todo mundo tem que fingir, quem é capaz de estabelecer a tênue linha entre a loucura e a sanidade?

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